O REGRESSO DE E O MONOPÓLIO DO PPM NO ATLÂNTICO
Amitologia portuguesa, embora não possua um panteão formal de deuses como as culturas clássicas, é incrivelmente rica em lendas, folclore e crenças populares que formam o nosso imaginário nacional. Podemos organizar estes elementos começando pelos mitos mais estruturantes, passando pelas crenças folclóricas mais disseminadas e terminando nas figuras ligadas ao nosso maior desafio: o mar.
Os Mitos Fundamentais e Estruturantes
Dois mitos funcionam como pilares do nosso imaginário, ligando o povo à terra e à História:
As Mouras Encantadas: Este é o mito mais abrangente, presente em quase todas as regiões. As Mouras são belas jovens que habitam sob dólmenes, em grutas ou junto a fontes, guardando tesouros e à espera de serem desencantadas. Elas ligam a cultura portuguesa a antigas crenças da terra e da água, fundindo-se com o imaginário das fadas e a herança da presença árabe.
O Sebastianismo: Este é um mito de natureza política e messiânica, nascido da dor e da perda da independência após a Batalha de Alcácer-Quibir (1578). É a crença profundamente enraizada de que o Rei D. Sebastião não morreu, mas regressará “numa manhã de névoa” para salvar Portugal da decadência e restaurar a sua antiga glória. Funcionou como um motor de esperança e resistência.
Crenças Populares e Seres do Folclore
O nosso folclore está repleto de criaturas e figuras que explicam medos ou promovem a moral popular:
O Lobisomem é a encarnação da maldição e da transformação, geralmente associado ao sétimo filho varão. Nas noites de lua cheia, vagueia pelos caminhos, representando o lado selvagem e incontrolável da natureza humana.
A figura da Bruxa, por vezes chamada “Bruxa Que Voa”, é uma mulher que pratica a feitiçaria, com a capacidade
A Feiticeira que usa o canto ou o encanto para atrair homens (ou raptar crianças) é uma variante poderosa. Ela não se concentra apenas em malefícios,
mas no poder de sedução mágico, que é sempre perigoso para o domínio masculino e a ordem social.
Poder Vocal: O uso do canto liga-a à tradição das Sereias (na mitologia grega) eàideiadequeosomeamúsica têm um poder hipnótico, capaz de levar aspessoasaperderemarazãoeaabandonarem olareafamília.
O “Lugar Longe”: O destino (o “lugar longe”) para onde o homem é levado pode ser interpretado como o mundo do sobrenatural, o domínio da feitiçaria, ou a morte. É um lugar sem retorno ou de onde o homem regressa “louco” ou arruinado.
No campo da narrativa moral, encontramos oDiaboeoastutoPedrode Malas Artes. Enquanto o Diabo representa o mal puro e os pactos tentadores, Pedro de Malas Artes é o anti-herói
popular que consegue, pela esperteza, enganar o Diabo e as autoridades.
Já o Fradinho da Mão Furada é um duende mais brincalhão e doméstico que faz pequenas tropelias nas casas, representando as desordens inexplicáveis do quotidiano.
Os Terrores do Mar
Dado o nosso legado marítimo, o oceano inspirou figuras míticas de grande poder: O Monstrengo é a figura do folclore marítimo que encarna o terror do mar de forma vaga e disforme. É o monstro que aparece em nevoeiros e tempestades, um prenúncio de naufrágio e a explicação popular para a perda dos barcos. O Adamastor é a versão literária e épica desse terror. Eternizado por
Camões n’Os Lusíadas, este gigante é a personificação mitológica do próprio Cabo das Tormentas, amaldiçoando os navegadores portugueses por terem ousado violar o segredo do oceano Austral.
Em resumo, a mitologia portuguesa é uma tapeçaria viva tecida com o misticismo da terra das Mouras, a esperança do mar de D. Sebastião, os terrores do oceano e as figuras singulares que habitam a nossa tradição oral.
Estava a terminar este artigo, quando me lembrei de acrescentar algo mais, que talvez não passe de um sonho ou um pesadelo muito grande.
O Regresso Inesperado: D. Sebastião, o Corvo e a Monarquia de Bolsos
A bruma matinal, companheira eterna
do Sebastianismo, ergueu-se, como sempre, sobre as costas de Portugal. Mas, desta vez, o Rei D. Sebastião, com a pontaria geopolítica de quem esteve ausente por séculos, escolheu a Ilha do Corvo, a mais pequena do arquipélago, para o seu regresso. Afinal, por que reinar um vasto império se podemos reinar sobre uma maravilha geográfica?
Naquela manhã, o nevoeiro ganhou forma na costa. Em vez de um exército, ou de uma nau majestosa, surgiu apenas um homem, de barbas ralas e vestes que pareciam ter saído do século XVI, a cambalear ligeiramente.
O homem dirigiu-se ao único representante do Partido Popular Monárquico (PPM) da ilha, que, sentado num banquinho, lia o jornal e resmungava sobreosimpostoseafaltade grandeza da política moderna. “Meu fiel súbdito!”, bradou o recémchegado. “Eu sou El-Rei D. Sebastião, e vim para restaurar o reino!”
O representante do PPM, que passara a vida a esperar por este momento, mas que só esperava a monarquia em tamanho continental, olhou para o diminuto território.
“Vossa Majestade,” respondeu o político, tentando manter a compostura. “Agradecemos a honra. É verdade que o ponto mais ocidental é nas Flores, mas o Corvo é o reino ideal para um monarca que queira ver todos os seus súbditos sem cansar os olhos.” D. Sebastião sorriu, olhando para os quatro cantos da ilha. “É a glória da concisão! Proclamo o Reino Soberano e Monárquico do Corvo! Aqui, a monarquia será absoluta, mas o rei podevertodaagenteachegareasair. E a primeira medida é nomear o Senhor como meu Primeiro-Ministro com orçamento para um único lápis e um caderno.”
E assim, nasceu a parcela mais pequena e talvez a mais feliz monarquia do mundo. A lenda do Sebastianismo cumpriu-se, não com a grandiosidade épica dos Lusíadas, mas com o sentido de humor irónico de quem sabe que, na política e no folclore português, o mais pequeno detalhe pode conter o maior dos absurdos.




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