sexta-feira, 7 de novembro de 2025

A AUDÁCIA, O SACRIFÍCIO E O LEGADO DAS TROPAS PORTUGUESAS

 A AUDÁCIA, O SACRIFÍCIO E O LEGADO DAS TROPAS PORTUGUESAS

Ao Sabor do Vento

 In Tribuna Portuguesa  October 28, 2025



José Raposo

jmvraposo@gmail.com

 O meu latim resumia se às respostas dos padres quando eu ia à missa, quase todos os domingos. No entanto, tenho curiosidade sobre essa língua milenar, e uma vez que outra deparo com frases muito interessantes que são o lema de grupos, especialmente no que se refere a forças militares. Foi nessa busca que descobri a frase que define os Comandos Portugueses, a mais importante para esta força de elite:

Frase Latina | Tradução | Contexto

Audaces Fortuna Juvat “A Sorte Protege os Audazes” A formulação clássica e oficial do lema, retirada da Eneida de Virgílio. O seu espírito de sacrifício está ainda mais expresso no seu grito de guerra,que não é latino, mas africano: Mama Sumae (ou Mama Sume). Esta frase, adaptada de uma tribo Bantu do sul de Angola, significa “Aqui estamos, prontos para o sacrifício”. Originalmente, o grito era usado em rituais de iniciação de passagem à idade adulta, nos quais o jovem guerreiro tinha de caçar um leão — uma metáfora brutal para o rigor do Curso de Comandos.



ParaTropas Em Angola

A Origem no Ultramar: Três Frentes de Combate

Os Comandos Portugueses nasceram da necessidade urgente de o Exército dispor de unidades de contraguerrilha rápidas e adaptadas aos teatros de operações africanos. A sua criação é um marco da Guerra do Ultramar, com a formação a ser iniciada e replicada nas três frentes de combate:

Angola (O Berço):A formação inicial começou em 1962 em Zemba, no Norte de Angola, sob o Centro de Instrução Especial de Contraguerrilha (CI 21). A designação “Comandos” foi oficializada em 1963–1964 na Quibala. O instrutor inicial, o ex-legionário italiano Cesare Dante Vacchi, teve um papel fundamental na doutrina e na instrução inicial.

Moçambique: A formação foi imediatamente estendida, com o primeiro Curso de Comandos de Moçambique a começar em Fevereiro de 1964 em Namaacha (na região de Lourenço Marques, atual Maputo).



Tropas Portuguesas em Moçambique

Guiné-Bissau: O primeiro Curso de Comandos da Guiné teve início em Julho de 1964 em Brá, na região de Bissau. Posteriormente, o treino foi centralizado: em 1965 no Centro de Instrução de Comandos (CIC) em Luanda, Angola; e a partir de 1966, o Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) em Lamego, na Metrópole, começou a formar companhias para a Guiné e Moçambique.

Do Ultramar ao Afeganistão: O Legado Ativo

Os Comandos Portugueses não se limitaram à Guerra do Ultramar. O seu espíritodeaudáciaeotreinodeelite mantiveram-nos na linha da frente de missões modernas. Eles tiveram, de facto, um papel nas operações militares no Afeganistão. O Exército Português, através da Brigada de Reação Rápida (BrigRR), participou em várias missões da NATO (Força Internacional de Assistência à Segurança – ISAF – e Missão Resolute Support – RS).



Comandos na Guiné

Unidades de Forças Especiais, como as dos Comandos, foram empenhadas em tarefas de proteção, treino e apoio em ambientes complexos e perigosos. As suas capacidades são precisamente adequadas para atuar onde a sorte tem de proteger os audazes.


Contudo, o esforço em África e a dedicação de Portugal às missões internacionais jamais se limitaram aos Comandos. O lema de “A Sorte Protege os Audazes” é partilhado por todos os militares que serviram a nação, incluindo os Fuzileiros (Forças Especiais da Marinha), a Força Aérea Portuguesa (FAP)—que garantiu o transporte e o apoio aéreo vital—e os milhares de soldados, paraquedistas e marinheiros que, sob o fogo da guerra ou nas águas da NATO, lutaram bravamente por um fim que se revelou inglorioso para a História de Portugal. O sacrifício foi coletivo.



Comandos Portugueses no Afganistão

A VergonhaeoAbandono

Tanto sacrifício, tantas mortes… e eu pergunto: Para quê? A Guerra do Ultramar foi uma autêntica vergonha. Portugal deveria ter pensado muito mais e melhor no processo de desvinculação das províncias ultramarinas. Não houve independência concedida, houve sim um abandono total. Portugal limitou-se a sair, deixando um vazio de poder que levou as ex-colónias a guerras civis imediatas.

Li há dias um artigo sobre os ex-combatentes da Guiné-Bissau que lutaram contra os seus irmãos, pois estavam, nessa altura, debaixo da colonização e eram portugueses, lutando ao lado de Portugal contra uma força que tinha o direito à sua libertação de um regime fascista. Agora, esses mesmos, quer sejam os que cantaram “Adeus Guiné” ou os guineenses que lá ficaram, têm pouco ou nenhum auxílio do Governo Português (cf. DW).



coluna Portuguesa de viaturas Chaimite na Bósnia Hersgovina

Outra frase latina que me vem à memória, e que parece resumir a lição amarga que o país não aprendeu, é:  Si vis pacem, para bellum (Se queres paz, prepara-te para a guerra).

Se a nação não se preparou para o processo de paz e transição, o destino do conflito estava traçado. O sacrifíci das Tropas Portuguesas, audazes no campo de batalha, foi em grande parte perdido por uma nação que falhou na audácia política para gerir o final da guerra.

Honrar a Memória


 


Acima do julgamento político e da vergonha histórica, resta a necessidade de honrar a memória. O sacrifício e a coragem de todas as Tropas Portuguesas, desde a selva de Angola e Guiné até ao deserto do Afeganistão, são factos inegáveis. A sua história, marcada pelo lema latino e pelo grito africano, obriga-nos a recordar que a audácia militar deve ser sempre acompanhada de responsabilidade política, para que o preço pago pelos soldados nunca seja em vão.

Fontes de Apoio e Referências

A inclusão de fontes (sources) é o toque final que confere autoridade e seriedade ao meu artigo, especialmente num tema com tanta carga histórica e emocional.

Lema (Audaces Fortuna Juvat): Virgílio. Eneida, Livro X, linha 284. História e Doutrina Comando: Sítio Oficial do Exército Português (Secção História dos Comandos).

Grito de Guerra (Mama Sumae): Associação de Comandos (Documentação sobre as Tradições e Símbolos).


 


Participação no Afeganistão: NATO e Ministério da Defesa Nacional (Relatórios sobre o empenhamento nas missões ISAF e Resolute Support).

Crítica da Descolonização: DW (Deutsche Welle). Ex-combatentes guineenses com dificuldades de sobrevivência em Portugal. Disponível em: www.dw.com/pt-002/excombatentes guineenses-com-dificuldades de-sobreviv%C3%AAncia-emportugal/ a-17108059.

Sem comentários:

Enviar um comentário