sábado, 8 de novembro de 2025

UMA CONVERSA COM MARCO FERREIRA Chef do restaurante Escuna no Hotel Marina Atlântico

 

UMA CONVERSA COM MARCO FERREIRA Chef do restaurante Escuna no Hotel Marina Atlântico

Ao Sabor do Vento



 

 

Durante a minha estadia no Hotel Marina Atlântico, em São Miguel, por ocasião da cimeira das cidades irmãs, comi talvez o polvo mais macio que já provei. Era tão bom que resolvi conversar com o chef do restaurante.

Filosofia Culinária e Inspiração

Gostaria de saber qual é a sua filosofia culinária e o que o inspira nas criações do cardápio aqui no hotel.

Eu penso que a base da cozinha é olharmos para onde estamos, ver o que podemos encontrar e trazer para a mesa o máximo que a terra nos pode dar em termos de ingredientes. Quando cheguei aos Açores, foi um mundo novo para mim — os ingredientes, os cheiros e os sabores. É óbvio que o menu tem de ter uma grande influência do mar, mas também tem de incluir os ingredientes da terra onde o restaurante está. Tem de ter a força da terra que saiu do mar e formou estas ilhas.

O que eu tenho de fazer é combinar esses dois elementos. Depois, empregar as técnicas de cozinha — técnicas que aprendemos na escola e nos restaurantes onde trabalhamos. E depois vem a parte sentimental, que são todas as memórias desde a época em que eu ficava escorado na beira do lava-louça, a ver a minha avó depilar os tomates e retirar as sementes.

Hotel Marina Atlântico, Av. João Bosco Mota Amaral n.º1, 767, 9500-767 Ponta Delgada. www.bensaudehotels.com/hotelmarinaatlantico

Hotel Marina Atlântico, Av. João Bosco Mota Amaral n.º1, 767, 9500-767 Ponta Delgada. www.bensaudehotels.com/hotelmarinaatlantico

A minha avó começava a preparar o almoço às nove horas da manhã, e eu, das nove até ao meio-dia, ficava ali ao lado dela ou de joelhos num banquinho, porque não chegava à bancada. Quando cresci mais um pouco, passava o tempo ali ao lado. Ela não me deixava tocar no fogão, com medo que eu me queimasse. Comecei a cozinhar aos 11 anos, mas mesmo assim ela não me deixava tocar no fogão.

Pratos de Assinatura e Favoritos

Quais são os pratos da sua assinatura?

Tem algum prato favorito no menu?

Eu não tenho um prato favorito; no entanto, tenho pratos que gosto mais de cozinhar do que outros, como os estufados. Gosto de preparar pratos que levam tempo, como ossobuco ou barriga de porco, que precisa de ficar no forno durante horas, ou então costela de vaca, que tem de estar nas brasas de 12 a 13 horas. Isso é que me fascina — ver a transformação, como quando começamos um ragù para fazer uma lasanha. É impressionante: depois de 4, 5 ou 6 horas, ver o resultado final.

Chef MARCO FERREIRA

Chef MARCO FERREIRA

Fornecimento de Ingredientes

Como é que aborda o fornecimento dos ingredientes, especialmente considerando a escala do restaurante do hotel?

Aqui nas ilhas somos abençoados, porque fazemos parte de um grupo muito grande, com presença em várias áreas, o que nos dá segurança no fornecimento. A nível de abastecimento, raramente temos problemas.

Claro que depois temos os fornecedores independentes, cada um com a sua realidade, e aí, a parte dos ingredientes frescos ainda deixa a desejar em certas épocas — sobretudo no caso das frutas e dos peixes — principalmente quando a oferta de peixe fresco diminui. De resto, temos sempre abastecimento durante todo o ano.

Polvo À Lagareiro

Polvo À Lagareiro

Sobre o Polvo

Sobre o polvo de ontem, já disse que foi o mais macio que comi. Poderia compartilhar um pouco sobreoprocessoeatécnicaparachegaraesse ponto? Não quero que me diga os seus segredos…

Aquilo não tem segredo nenhum. É uma receita dos polvos da avozinha, uma delícia que fazem no povoado. A receita vem da Galiza. O polvo vai inteiro para a panela, exatamente como vem, congelado. Depois vai ao forno num tabuleiro e é temperado com azeite, alho, etc.

Desafios no Hotel

Quais são os desafios que tem encontrado aqui no hotel?

O hotel traz muitas vantagens, mas também tem uma particularidade: temos de pensar globalmente. Num restaurante independente, é possível criar uma identidade e o cliente procura-o justamente por essa oferta e conceito. Num hotel, não. No hotel, temos de fazer uma comida o mais variada possível, ir em busca dos ingredientes e das técnicas mais diversas para satisfazer o público que nos visita — o que não acontece da mesma forma nos restaurantes.

Restaurante Escuna

Restaurante Escuna

Atualização do Menu

Com que frequência atualiza o seu menu e que pratos novos inclui?

Aqui nos Açores, o menu provavelmente muda de forma radical uma vez por ano. No entanto, por vezes combinamos que, a partir de determinada data, fazemos pequenas alterações. Estamos sempre atentos ao que os clientes nos dizem, porque se um prato, por qualquer motivo, agrada menos, não faz sentido continuar a servi-lo.

Quanto à sua trajetória profissional, o que o torna um chef? Tem algum conselho para os

aspirantes a profissionais de culinária? Eu sempre gostei de cozinhar — acho que é algo com que se nasce. Se a pessoa não gosta, não vale a pena seguir esse caminho. Não há mistérios nem meiostermos: é 8 ou 80.

 

 

Quando se trabalha nas cozinhas de topo, ou vais ou deixas. Essas cozinhas ensinam o que é a verdadeira paixão: depois de muitas horas de trabalho, preparar um prato de leitão ou de novilho, com os pés já a queimar, e mesmo assim terminar com gosto, chegando a casa e dormindo descansado, com a consciência de que criaste algo importante e satisfatório. Fala-se muito da paixão pela cozinha, mas é preciso também muita persistência. Eu acho que a base é a persistência. Se persistires, a dada altura vais chegar lá.

Você nasceu em Porto Alegre, no Brasil. Eu moro a norte da Baía de São Francisco, onde há muitos brasileiros e portugueses. Gostaria de dizer algo para eles?

Eu já lá estive um mês, conheço bem aquela área. É muito bonita. Tive o privilégio de lá trabalhar num evento. A única coisa que tenho a dizer é: venham visitar-nos, venham cá ver-nos. Isto aqui é fantástico. Em especial para os açorianos que residem no estrangeiro, digo para não deixarem de vir cá. Os Açores continuam a mudar. Venham cá passar férias.

Foi um prazer falar consigo, Marco Ferreira. Desejo-lhe muitas felicidades e espero que não seja a última vez que nos encontramos.

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